A Igreja do Vaticano II não pode ser a Igreja Católica


Em uma entrevista concedida ao Jornal da Tarde, Dom Antônio de Castro Mayer, ex-Bispo de Cam­pos e líder dos sacerdotes tradicio­nalistas, criticou a conduta do Vati­cano em relação ao teólogo Leonar­do Boff e à teologia da libertação e classificou como doloso o recente indulto concedido pela Santa Sé, autorizando, em determinadas cir­cunstâncias, a missa tradicional. O prelado acusou também a Igreja atual de heresia, afirmando que a Igreja que adere formal e totalmente ao Concilio Vaticano II, que é heréti­co, não pode ser a Igreja de Jesus Cristo.

É o seguinte o texto da entre­vista do prelado:

Os católicos estão divididos quanto ao recente documento do Vaticano contra a teologia da liber­tação. Alguns o acham muito positi­vo, enquanto outros o acusam de ser ambíguo. Qual sua opinião sobre o documento e sobre os catecismos que hoje estão em circulação e di­vergem da doutrina tradicional da Igreja? 

No documento do Sr. Cardeal Ratzinger sobre a teologia da liber­tação, ou teologias da libertação, há uma tentativa de explicá-las, mais do que uma condenação. O docu­mento censura apenas a infiltração da análise marxista nessas teolo­gias. O estardalhaço em torno do "teólogo" Boff terminou numa con­córdia pacífica. Não houve nem re­tração, nem propriamente explica­ção pública! Quanto aos catecismos, tam­bém desceu o silêncio sobre as ob­servações do Cardeal Ratzinger fei­tas em Notre Dame. Enquanto não se elimine na missa os equívocos que lhe alteram a ortodoxia, não se protege suficientemente a Fé. Vige sempre a lei fundamental: "legem credendi lex statuat supplicandi". Na raiz de todo esse mal está o falso ecumenismo instalado com o Vati­cano II. Como dissemos em outra ocasião, o ecumenismo conciliar apresenta-se mais como uma práxis que como uma doutrina.A doutrina encontra-se na de­claração Dignitatis Humanae, com a qual o Concilio Vaticano II quis sancionar, como direito natural do homem, a liberdade religiosa, en­tendida como liberdade de religião. Para a doutrina católica, esse direito seria uma aberração lógica, se antes não fosse uma blasfêmia.De fato, é impensável que a Igreja, cuja voz é a mesma voz de Deus, possa afirmar o direito do ho­mem de escolher entre as mais variadas concepções humanas de Deus, contra a Verdade única quo Deus mesmo revelou de Si.Sobre essa doutrina contida na declaração conciliar, já dissemos que é herética. O Vaticano II, declarando direito natural do homem seguir a religião ditada pela própria consciência, ou não seguir nenhuma, proclama o direito no erro. Ora, o erro não pode ser fundamento de direito algum. O erro é contra a na­tureza humana feita para a verdade. Como pode ele reivindicar conformi­dade com essa natureza? Acresce que, nessa matéria, há uma lei divi­na que importa na obrigação por parte do homem de professar a reli­gião católica. Como poderia a Igreja conceder um direito contra essa Vontade Soberana? Pior ainda: co­mo poderia dizer que esse direito contra a Vontade Divina é um direi­to natural, fundado pois na própria natureza humana! Só admitindo quo o homem está acima de Deus! Ora, isso é pior que heresia: é uma aberrante apostasia! Portanto o concilio Vaticano II proclamou uma heresia objetiva. Os que o seguem e o aplicam tem demonstrado uma pertinácia que normalmente, caracteriza uma heresia formal. Ainda não os acusamos categoricamente dessa pertinácia para dirimir as mínimas possibilidades de ignorância sobre questões tão graves. De qualquer modo, mesmo que essa pertinácia não se manifestasse na forma de uma efetiva ofensa da Fé, manifesta-se claramente na omissão em defendê-la. A Igreja que adere formal e totalmente ao Vaticano II com suas heresias não é nem pode ser a Igreja de Jesus Cristo. Para pertencer a Igreja Católica, a Igreja de Jesus Cristo, é preciso ter Fé, ou seja, não pôr em dúvida ou negar um artigo sequer da Revelação. Ora, a Igreja do Vaticano II aceita doutrinas que são heréticas, como vimos. Pode-se admitir, porém, a possibilidade de que haja fiéis em boa fé que não sabem ter o Vaticano II aderido à heresia. Mas, e os bispos? É difícil admiti-lo, mesmo não excluindo como possibilidade absoluta. Quanto à possibilidade de que um papa governe a Igreja rejeitando o que ela definiu, a história registra o caso de Honório I, condenado postumamente pelo III Concilio Ecumênico de Constantinopla e pelo Papa S. Leão II por ter "permitido com uma traição sacrílega que fosse manchada a fé imaculada".É certo, porém, que a Igreja Católica é a única esposa de Cristo. Não há outras. Apresentá-la como "uma entre outras" é equiparar a verdade ao erro, o que é a essência de toda heresia. Uma igreja engajada irreversivelmente nesse ecume­nismo pós-conciliar não é a Igreja de Cristo, Igreja Católica Apostólica Romana. Os fiéis não podem seguir seu ensinamento. Os católicos, para se conservarem fiéis aos ensina­mentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, devem estar alertas e vigilantes para não se deixarem levar por essa falsa igreja.

A notícia do indulto para a missa tradicional causou satisfação a Monsenhor Lefebvre e irritou os progressistas. Posteriormente, porém, ao tomar conhecimento do documento vaticano sobre o assunto, Monsenhor Lefebvre fez uma revisão de sua posição inicial e reagiu menos positivamente. Conhecendo o documento do vaticano, qual a sua opinião?

À primeira vista, e com certa verdade, a iniciativa do Vaticano envolve o reconhecimento, não apenas do apego que muitos católicos, em todo o mundo, mantem à sua missa, como, outrossim, do valor intrínseco do Ordo Missae tradicional. Creio que Monsenhor Lefebvre pretendeu salientar esse aspecto da atitude papal, que seria o aspecto positivo. Dos progressistas só se poderia esperar deplorações. Creio que eles só se agradariam com uma missa inteiramente modernista, ao sabor das aberturas socioculturais do mundo atual. Sem julgar as in­tenções, objetivamente, o Indulto pareceu-nos uma medida dolosa. Seria um Indulto doloso. Doloso porque, tomando o mesmo título de Indulto, insinua que ab-roga o Indul­to perpétuo anteriormente concedi­do por S. Pio V, com o peso de sua autoridade apostólica, a todos os sacerdotes, para sempre e em qual­quer parte celebrarem segundo o missal tradicional; doloso porque, com aparência de ser favorável aos que são fiéis à missa tradicional, na realidade condiciona-os à boa von­tade dos bispos contrários a essa missa; doloso, enfim, porque, antes desse Indulto, ninguém seriamente punha em dúvida a liceidade da mis­sa tradicional. Vem agora um "in­dulto" concedendo-a, apenas em alguns casos. Ele, portanto, pressu­põe que a missa de sempre tenha si­do suprimida.

Que relação há entre a missa tridentina e as questões da fé conti­das no manifesto episcopal que o Sr. e Monsenhor Lefebvre dirigiram ao Papa em novembro do ano pas­sado?

Há uma relação indeclinável entre a missa e a fé. É dos tempos de S. Celestino I o axioma declaran­do que a fé é professada na oração: "Legem credendi lex statuat supplicandi". De onde não se entende missa sem fé. Será ortodoxa a missa que contiver uma profissão de fé or­todoxa. Foi o que salientamos em nosso manifesto episcopal. Nele mostramos que a nova missa pós- conciliar acolhe no culto católico postulados da heresia luterana. Por isso a nova missa é inaceitável. Que­rer impô-la caracteriza uma perse­guição religiosa, análoga à das auto­ridades pagãs que impunham aos cristãos queimar incenso aos ídolos. Com efeito, três coisas essenciais da missa católica estão em oposição frontal ao luteranismo. Segundo os protestantes, não há sacerdócio hie­rárquico, distinto e superior ao sa­cerdócio comum de todos os fiéis (segundo a doutrina católica, o sa­cerdócio hierárquico é indispensável para que haja missa); não admitem os protestantes uma presença real física de Jesus Cristo, após a consa­gração, admitem uma presença real, mas apenas espiritual, como a presença de Jesus Cristo onde dois ou três se reúnem em Seu nome (na doutrina católica, pela transubstanciação realizada na missa, Jesus Cristo está fisicamente presente sob as espécies de pão e vinho); final­mente, rejeitam os protestantes que a missa seja sacrifício propiciatório (a missa, define o Concilio de Trento, é um sacrifício não só de louvor e ação de graças, mas sobretudo propiciatório).A nova missa, segundo a des­crição que dela faz o "institutio" do Missal de Paulo VI, contém os três postulados protestantes. Basta ler o no. 7 da "Institutio" na edição de 1969, que a edição de 1970 fingiu corrigir. Dom Gueranger salienta o ''sensus fidei" dos fiéis que está na base de sua infalibilidade "in credendo". Não temos dúvida em afirmar que a firmeza com que suporta­ram sacrifícios e privações que acar­retou a muitos sua fidelidade à mis­sa de sempre constituiu valiosa bar­reira que impediu prevalecesse o en­gano, dolosamente difundido, de que a missa tradicional teria sido, ou pudesse ser, algum dia ab-rogada pela Igreja.

É a primeira vez que o Sr. faz, em público, declaração desse teor. É lícito a um Bispo acusar documen­tos oficiais da Santa Sé de desvios heréticos? Essa atitude não está em contradição com sua condição de Bispo? 

São Tomás não pensa assim. Ele elogia a atitude de São Paulo, ao resistir em público a São Pedro, che­fe da Igreja, porque estava em peri­go a fé. E o Doutor comum dá a nor­ma. Em relação aos erros dos prela­dos, São Tomás recomenda aos sú­ditos que não se acanhem de corri­gir os prelados especialmente se a falta é pública e haja perigo para a multidão. Não é diverso o ensinamento do grande Papa Inocêncio III, que reconhece que um Papa pode ser julgado quanto à fé. A verificação desses fatos não deve levar os católicos ao desâni­mo, porque nossas esperanças es­tão na maternal proteção da Virgem Santíssima, nossa protetora e advo­gada junto ao Trono de todas as graças.

(Jornal da Tarde, 06/11/1984)

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